segunda-feira, 30 de junho de 2025

Ilhas Afortunadas - Açores

Ilhas Afortunadas (em grego: μακάρων νῆσοι, transl. makárôn nêsoi; em português: 'ilhas dos bem-aventurados' ou 'ilhas abençoadas') foram, nas mitologias grega e céltica, o deleitável paraíso que para o poeta grego Hesíodo era o lugar que acomodava os Elísios, uma região abençoada, onde os heróis e as almas favorecidas eram recebidos pelos deuses após a morte. Acreditava-se que estas ilhas estavam no Oceano Ocidental perto do cerco do rio Oceanus. A Madeira, os Açores, as Canárias, e Cabo Verde às vezes são identificadas como as possíveis localizações das Ilhas Afortunadas.

Na alta Idade Média europeia as Ilhas Afortunadas ficaram ligadas à lenda das viagens de São Brandão, o monge irlandês que as teria visitado e nelas teria encontrado o jardim do Éden. Através desta lenda, as Ilhas Afortunadas ficaram associadas ao fundo mais abrangente das ilhas míticas do Atlântico (Sete Cidades, Antília , ilha do Brasil e Ilhas Afortunadas, entre outras).

Fernão de Noronha identificou o Brasil como sendo as Ilhas Afortunadas ou mesmo a Ilha do Brasil da lenda criada a partir das navegações de São Brandão no século VI.

A partir do século XIII as Ilhas Afortunadas foram progressivamente identificadas com as Canárias do rei Juba II, acabando por se perder a designação. Contudo, com o advento da biogeografia, o nome foi recuperado na sua forma helenizada como Macaronésia (do grego makaron = afortunado), termo hoje muito em uso nas disciplinas ambientais e progressivamente adoptado para a associação política entre os arquipélagos da periferia ibérica: (Açores, Madeira e Canárias), incluindo por vezes Cabo Verde.

Flavio Filóstrato, Vida de Apolônio (Livro v2), diz: "E eles também dizem que as Ilhas dos Abençoados estão localizadas nos limites de Líbia aonde elas se elevam em direção ao promontório desabitado." Nesta geografia, a Líbia existia em direção Oeste até à Mauritânia, "até à boca do rio Salex, umas 900 stadia, e além deste ponto até uma distância que ninguém pode computar, porque quando se passa este rio da Líbia, há um deserto que não sustenta nenhuma vida."

Plutarco fez referência às "Ilhas Afortunadas" diversas vezes em seus escritos, localizando-as com firmeza na geografia do Atlântico em "Vida de Sertório" que, quando estava se esforçando contra a caótica guerra civil nos últimos anos da República Romana, recebeu notícias dos marinheiros sobre algumas ilhas há poucos dias velejando da costa da Espanha. Aonde o ar nunca era extremo, e que para chuva tinha um curto orvalho prateado, do qual dele próprio sem labor, brotava todos os frutos agradáveis para seus felizes residentes, até que para ele elas não poderiam ser se não outra as Ilhas Afortunadas, os Campos Elísios.

Naturalis Historia de Plinio, II adiciona à descrição conectiva que "elas afluem em frutas e pássaros de todos o tipos", e o detalhe inesperado: "Estas ilhas, contudo, estão bem prejudicadas pelos corpos dos monstros apodrecendo, quais são constantemente jogados pelo mar."

Ptolemeu usou estas ilhas como referências para as medidas geográficas de longitude, e elas continuaram tendo um papel de definir o Meridiano de Greenwich até à Idade Média. geografia moderna chama estas ilhas de Macaronésia.

"The Fortunate Isles and Their Union" (Tradução livre: "Ilhas Afortunadas e as Suas Uniões") é uma mascarada da Era Jacobina, escrita por Ben Jonson e planejada por Inigo Jones, e apresentada em 9 de Janeiro de 1625.

Diz uma lenda popular que, após Helena de Troia ter se casado com Aquiles, eles viveram nas Ilhas Afortunadas.

A ilha Brasil, originariamente Hy Breasail, é uma ilha mitológica irlandesa que foi representada em muitos mapas do Ocean Atlântico de 1325 a 1865. A presença da "ilha Brasil" em mapas medievais já deu a muitos a impressão de que a terra e o nome do Brasil eram conhecidos desde o século XIV. Na verdade, a ilha legendária nada teve a ver com as terras da América. Alguns especularam que sua presença nos mapas e no imaginário dos navegadores influenciou, pela coincidência, a fixação do nome de "Brasil" à terra inicialmente chamada pelos portugueses de "Vera Cruz", mas não há provas disso.

O mapa de Fra Mauro de 1459 indica uma ilha de nome "Brazil" com a inscrição: "Queste isole de Hibernia son dite fortunate", ou seja, classifica-a como uma das "ilhas afortunadas".

As Ilhas Afortunadas são mencionadas nas séries "The Sea of Trolls", e até no título do último livro, The Islands of the Blessed.


Fernando Pessoa usa Ilhas Afortunadas como título de um de seus poemas.

Que voz vem no som das ondas

Que não é a voz do mar?

E a voz de alguém que nos fala,

Mas que, se escutarmos, cala,

Por ter havido escutar.


E só se, meio dormindo,

Sem saber de ouvir ouvimos

Que ela nos diz a esperança

A que, como uma criança

Dormente, a dormir sorrimos.


São ilhas afortunadas

São terras sem ter lugar,

Onde o Rei mora esperando.

Mas, se vamos despertando

Cala a voz, e há só o mar.


(Fernando Pessoa)

Lenda da Fajã de São João - Açores

A Lenda da Fajã de São João é uma tradição da ilha de São Jorge, nos Açores. Versa sobre as vivências do homem em uma terra difícil e vulcânica, e os locais afirmam ser baseada em fatos reais.

A lenda reporta-se a um acontecimento ocorrido no ano de 1757 na Fajã de São João. Nessa fajã da costa da ilha de São Jorge vivia uma mulher pobre e humilde juntamente com a sua filha. Essa mulher era já bastante idosa e, devido à sua simplicidade, era com frequência alvo da troça dos vizinhos.

Nessa altura vivam-se tempos de dificuldade e o pão de milho era a base de alimentação das populações. O pão era cozido em todas as casas, quase sempre aos sábados de manhã. À tarde limpava-se e enfeitava-se a casa com flores nascidas nos pequenos jardins das moradias, até que tudo ficasse pronto para o domingo, dia de descanso.

A velhinha e a sua filha estavam a pôr o lume ao forno para o aquecer, e a amassar a massa do pão, quando bateram à porta. Como não era costume receber visitas e tinha as mãos enfarinhadas, respondeu de onde estava que abrissem. A velha porta de madeira gasta rodou sobre as dobradiças de ferro e na ombreira apareceu ema formosa senhora vestida de branco que a idosa não conhecia. No entanto, disse com boa educação: "Entrai, vinde para junto do meu lar, gosto de dar a todos do pouco que Deus me deu'.

A senhora vestida de um branco imaculado deu apenas um passo casa dentro e respondeu á idosa: "Não me posso demorar, ide dizer a toda a gente da fajã que fuja deste lugar e vá para a serra antes de chagar a noite. Um caso estranho vai dar-se em breve". Assim a idosa deixou o seu trabalho e foi de porta em porta, chamando as pessoas e dizendo a todos que fugissem de suas casas e da fajã, porque ia dar-se um acontecimento terrível.

A população troçou dela, ninguém acreditando na profecia. Mas a idosa pôs-se imediatamente a caminho da serra, acompanhada apenas pela filha. Durante toda a longa caminhada a subir pelas estreitas veredas das arribas, a velhota que acreditara na Senhora de Branco pensava que as pessoas, por serem incrédulas, tinham ficado em perigo na Fajã de São João.

Foi então que por volta da meia-noite a terra começou a tremer, o mar uivava ao longe com um som sinistro, bramia de encontro aos rochedos. Teve início um grande terramoto, as encostas das montanhas e das altas falésias desabavam. Rochas enormes rolavam para a fajã, indo umas para ao mar, outras sobre as casas e os seus moradores, destruindo os terrenos cultivados na sua passagem veloz. Ao longe ouvia-se os gritos das pessoas que se misturava com o bramir da terra, com o barulho das rochas e o vibrar do mar.

Quando o Sol raiou pela manhã e começou a iluminar as cercanias da Fajã de São João, a velha encontrou uma enorme destruição. Assistiu ainda aos últimos gritos das pessoas que aos poucos se foram transformando em murmúrios até se extinguirem por completo. Daí para a frente os poucos sobreviventes passaram a dizer que a velhinha tinha feito uma profecia porque tinha falado com a Virgem Santa Maria e que, por ter tido fé, se tinha salvo e à filha.

Lenda da Ermida de Nossa Senhora dos Milagres da ilha do Corvo - Açores

A Lenda da Ermida de Nossa Senhora dos Milagres é uma tradição da ilha do Corvo, nos Açores. Liga-se às crenças dos povos cristãos, não só insulares, onde o desconhecido era enfrentado com medo e por isso era solicitada a intervenção do divino.

No século XVI, num dia de mar manso, andavam homens a bater a costa à procura de restos de madeira trazidos pelas ondas do mar, para queimar como lenha. Por entre as madeiras que tinham dado à costa viram um pequeno caixote a flutuar na linha da maré. Era um caixote muito bem feito, de madeira clara, já gasta pelo tempo no mar.

Estranhando o objeto, trouxeram-no para fora da água e abriram-no com cuidado. Dentro estava uma pequena imagem de uma Nossa Senhora a que só mais tarde os corvinos vieram a chamar dos Milagres. A notícia do achado correu pela ilha e em pouco tempo as pessoas juntaram-se no local para ver a santinha. Alguém reparou que a imagem tinha uma inscrição: "No lugar onde eu sair, façam-me uma ermida". Imediatamente ficou decidido construir uma ermida localizada no Alto da Rocha para a Nossa Senhora.

Com o passar do tempo, a notícia de que uma imagem da Senhora dos Milagres tinha dado à costa na ilha do Corvo espalhou-se pelas restantes ilhas dos Açores e rapidamente chegou a Lisboa, onde ordenaram que uma nau fosse buscar a imagem para a capital do reino de Portugal. Apesar de revoltados com o acontecimento, os locais não puderam impedir a partida da imagem, que foi levada para um templo em Lisboa, onde ficou em lugar de destaque num altar dourado.

Pouco tempo depois, coisas estranhas começaram a acontecer. Todas as manhãs a imagem aparecia com o manto molhado, como se estivesse estado metida em água. Começou a dizer-se que a água era salgada e que a Nossa Senhora andava pelo mar: a imagem saía do seu altar de talha dourada todas as noites e atravessava o mar para ir para a sua ilha do Corvo, onde gostava de estar, e voltava pela manhã à igreja onde a tinham colocado.

Só a partir destes acontecimentos e quando a noticia chegou ao Corvo e a imagem também é que os corvinos passaram a chamar a esta imagem de Nossa Senhora dos Milagres.

Preocupados com o acontecimento inexplicável, os padres da igreja onde a imagem se encontrava decidiram envia-la de volta ao Corvo. Quando a imagem de Nossa Senhora dos Milagres voltou à ilha, foi recebida com grande alegria pela população que voltou a coloca-la na sua ermida sobre a rocha, sobranceira ao Porto da Casa, local onde tinha aparecido e queria ter a sua morada. Dali, acredita-se, passou a proteger os corvinos e a fazer muitos milagres.

Lenda da Donzela Encantada da ilha de Santa Maria - Açores

A Lenda da Donzela Encantada é uma tradição da ilha de Santa Maria, nos Açores. Liga-se à crença em encantamentos e na ação de seres sobrenaturais.

A história passa-se no lugar de Valverde, junto a uma caudalosa ribeira onde em tempos idos as mulheres do campo costumavam ir lavar as roupas. Uma lavadeira, que estava com muito serviço, ficou sozinha fora de horas a lavar roupas até quase ao crepúsculo. Conforme iam terminando o seu serviço, as outras mulheres tinham ido embora sem que ela se apercebesse.

Concentrada no trabalho, a lavadeira cantarolava algumas melodias, e o som da água a correr não a deixou ouvir ao principio os murmúrios de uma voz de mulher que se lastimava a um canto da ribeira. Durante um intervalo para descansar, a lavadeira apercebeu que uma mulher gemia e chorava baixinho, pedindo socorro. Aproximou-se do lugar e viu uma moça muito formosa, parecida com um anjo e vestida de um branco translúcido, meia oculta nas hortênsias.

A lavadeira perguntou-lhe por que parecia tão infeliz, ao que esta terá respondido que se encontrava encantada por uma fada má. Só lhe era permitido aparecer naquele local de sete em sete anos, por alturas do pôr-do-sol, na esperança de encontrar um jovem que a quisesse namorar. No entanto, só depois de quebrado o encanto é que lhe podia dizer quem era. Pouco depois de dizer isto, desapareceu nas sombras e nos ruídos silêncios da água corrente.

Quando a lavadeira contou este acontecimento na sua aldeia, muitos não acreditaram nela, outros acreditaram. Sete anos depois, foram vários os rapazes de Valverde, que ao pôr-do-sol foram sentar-se nas margens da ribeira, na esperança de ver a moça encantada. No entanto, ela nunca mais apareceu.

Lenda dos Diabretes na Fajã de Vasco Martins - Açores

 

A Lenda dos Diabretes da Fajã de Vasco Martins é uma tradição da ilha de São Jorge, nos Açores. Evoca um povo ligado aos misticismos em uma terra virgem, por desbravar por muitos séculos, como as fajãs da costa norte da ilha.

Segundo a crença popular, os diabretes, uma espécie de duendes, saíam de certas zonas da costa para apoquentar a vida das pessoas com quem se cruzavam. Normalmente surgiam nas localidades em certas noites do ano, mas com mais frequência na noite da 2.ª feira de Carnaval para 3ª-feira de Entrudo. Assustavam as pessoas e os animais, revolviam as culturas nas terras. Com medo, as pessoas muitas vezes apenas se fechavam em casa. Aqueles que podiam, fugiam das costas marítimas, onde eles apareciam em maior número.

Na Fajã de Vasco Martins, pertencente aos habitantes da localidade do Toledo, existia um grupo de homens que se julgavam mais corajosos que os restantes e um dia resolveram que haviam de enfrentar os Diabretes. No dia 2 de Fevereiro, prepararam uma pescaria e foram para a casa de um deles na referida fajã, armados de paus endurecidos no fogo, foicinhos e outras armas artesanais.

À meia noite nada de anormal tinha acontecido. Confiantes de que os diabretes tinham tido medo deles, pararam a pescaria e foram para a casa da fajã de um deles, onde se sentaram a conversar e a rir, a assar peixe e beber vinho de cheiro produzido na fajã.

Perto da madrugada começaram a ouvir barulhos ao longe, que lhes parecia o sussurrar do vento nas árvores, mas rapidamente aumentou e parecia o bramir do mar em dia de tempestade. Até que o crescente barulho deixou de ser explicável, parecendo uma mistura de vários e diferentes sons que pareciam vir de todos os lados.

A barulheira vinha do telhado, onde as telhas pareciam estar a partir-se outras a serem arrastadas. Começaram pancadas fortes nas portas e janelas. Parecia que a casa abanava toda com o barulho. Os homens começaram a tremer e nem se arriscaram a abrir a porta ou a espreitar pelas janelas.

Ficaram todo o resto da noite aconchegados num canto da casa, e só ao raiar da madrugada é que o barulho foi parando aos poucos, até desaparecer. Pensando não tinham uma única telha no lugar e as terras todas reviradas, saíram de casa mas parecia que nada se tinha passado. As telhas estavam nos seus lugares, as plantas nos campos não tinham sido mexidas, tudo estava normal.


Lenda da descoberta da ilha de Santa Maria - Açores

A lenda da descoberta da ilha de Santa Maria é um das lendas tradicionais da ilha de Santa Maria, nos Açores. Constitui-se em um dos muitos mitos que envolvem os descobrimentos portugueses do século XV.

A lenda passa-se à época do Infante D. Henrique, fundador da mítica Escola Náutica de Sagres. De acordo com ela, Gonçalo Velho Cabral, marinheiro do Infante, frade devoto da "Nossa Senhora", por ordem daquele fez-se ao mar numa caravela, fazendo uma promessa à Virgem de dar o nome dela à primeira terra que encontrasse no "mar Oceano".

As viagens marítimas dos descobrimentos eram geralmente difíceis, demoradas e imprevisíveis. Os marinheiros dependiam do vigia, no alto cesto da gávea quase na ponta de um mastro, para olhar o horizonte, desde o raiar da madrugada até ao anoitecer e tentar descobrir terra.

Gonçalo Velho esquadrinhava os mapas, anotava as correntes e rezava. Passaram-se calmarias e tempestades, noites e dias, meses... Foi então que num dia de Verão, no dia de Nossa Senhora em Agosto, amanheceu um dia claro, suave, de céu limpo. A vista alcançava grandes distâncias.

Na linha do horizonte foi surgindo uma nuvem, que foi se agigantando, ganhando forma e nitidez. A dada altura o gajeiro já não tinha mais dúvidas e gritou: "Terra à vista!". Gonçalo Velho Cabral e a restante marinhagem começavam o dia, como era hábito nessas alturas, com orações a Deus e a Nossa Senhora para que os ajudasse a encontrar terras novas. Estavam a rezar a "Ave Maria", e nesse preciso momento pronunciavam "Santa Maria".

Gonçalo Velho considerou que se tratava de um milagre de Nossa Senhora a lembrar-lhe a promessa que tinha feito. Esta era a primeira ilha descoberta nos Açores, a "ilha mãe", que recebeu de imediato o nome de ilha de Santa Maria.

Segundo a lenda, esta fé de Gonçalo Velho perpetuou-se no local, onde ainda se mantém grande devoção em Nossa Senhora, festejada efusivamente no mês de Agosto de cada ano.

Lenda da Coroa Real de Cedros - Açores

A Lenda da Coroa Real de Cedros é uma tradição da ilha do Faial, nos Açores. Ela remete aos tempos da Dinastia Filipina nos Açores, após a queda da ilha Terceira, onde durante algum tempo reinou António I de Portugal.

A lenda passa-se no tempo da ocupação das ilhas dos Açores pelas forças de Filipe II de Espanha. Já antes estas ilhas eram frequentemente assediadas e assaltadas por piratas da Barbária e por corsários. Atacavam de surpresa, muitas vezes em dias de nevoeiro ou a coberto da noite, outras vezes em plena luz do dia. Assaltavam, roubavam e muitas vezes levavam com eles homens da terra para trabalharem como escravos.

Num certo dia, uma embarcação pirata comandada por um rei mouro apareceu nas costas da ilha do Faial para atacar a ilha. Mas como a embarcação foi avistada a tempo, as populações locais tiveram tempo de se preparar. Os piratas encontraram uma forte resistência e foram obrigados a fugir de forma precipitada sem conseguirem pilhar a terra.

Na fuga apressada, o rei mouro esqueceu-se da sua coroa, que tinha posto sobre um muro de pedra quando combatia. A coroa era feita de prata lavrada e enfeitada em toda a volta com lindos ramos desenhados no metal luzidio. Já longe da costa, o rei mouro apercebeu-se da falta da coroa e imediatamente se lembrou que ela tinha ficado em terra. Não querendo perder o seu símbolo de poder, resolveu voltar à ilha para a recuperar. No entanto e como não podiam voltar à ilha como piratas para não serem novamente atacados pelos locais, disfarçaram-se de marinheiros comuns.

Depois de procurar onde o rei a havia deixado, deram início a uma busca pelo resto da ilha. Perguntaram aos habitantes se tinham visto uma coroa de prata, recebendo respostas negativas. Entraram em lojas de comércio e em todos os locais onde ela eventualmente poderia estar e nada. Depois de as populações começarem a desconfiar de tão estranha procura, os piratas tiveram de partir para a sua terra no Norte de África, para nunca mais voltar.

A coroa do rei pirata tinha sido encontrada por uma mulher da localidade dos Cedros, que quando soube que andavam à procura dela, desconfiou que era os piratas e tratou de a esconder como melhor pode - levantando as saias e metendo-a numa perna, como quem enfia um anel num dedo. Aí a conservou até ter a certeza que o rei se fizera ao mar, desistindo para sempre do precioso objeto.

Mas sabendo do valor do objeto que tinha consigo, e não desejando que os seus conterrâneos soubessem que o tinha, deixou-o ficar muito tempo na perna, que ao fim de alguns dias começou a inchar e a doer. Acabou então por dizer que tinha a coroa, mas como a perna estava muito inchada, a coroa tinha ficado presa. Puxaram de um lado e puxaram do outro, tiveram de lavar a perna com água e sabão de cinza para a pele ficar mais escorregadia, mas mesmo assim a coroa não saiu.

Assim, a população não teve outra alternativa senão cortar a coroa por um lado para a poderem tirar, e depois voltaram a soldar cuidadosamente a parte cortada. O objeto ficou para a freguesia dos Cedros, onde morava a referida mulher cujo nome se desconhece. Com o passar dos anos a coroa passou a ser usada pelos locais nas festas do Divino Espírito Santo.

Esta coroa tinha 13 Centímetros de altura e continha engastada uma gema de cor da qual se ignora o verdadeiro valor. Com o passar dos anos e com medo de estragar tão simbólico e rico objeto, foi mandada fazer uma nova coroa, uma imitação da primeira que passou a ficar sempre guardada.

Atualmente a antiga coroa continua a ser guardada todos os anos em casa do mordomo da festa do Espírito Santo e pode ver-se, ainda perfeitamente, tantos anos depois, num dos lados, o lugar onde a mesma foi cortada e de novo soldada para poder sair da perna da mulher que a tinha guardado.

Lenda do Cavaleiro da ilha do Corvo - Açores

A Lenda do Cavaleiro da ilha do Corvo é uma tradição oral da ilha do Corvo, nos Açores. Liga-se à descoberta dos Açores com base nos mitos que envolviam as ilhas do Grande Mar Ocidental e a época dos Descobrimentos portugueses.

A lenda iniciou-se após 1452, quando os primeiros navegadores que navegavam para Ocidente a partir de Portugal continental avistaram aquela que veio a ser chamada de Ilha do Corvo. Afirma que, ao aproximarem-se da nova terra avistada, os navegadores viram sobre a parte mais alta de um monte uma estátua equestre.

O alazão apoiado nas patas traseiras, com as patas dianteiras levantadas no ar a apontar para o noroeste, apontava para a frente, para mostrar o caminho do Novo Mundo. O cavaleiro empunhava uma espada num braço erguido. Ambos tinham sido esculpidos no basalto negro vulcânico, pedra mãe do substrato da ilha do Corvo.

Esta estátua teria sido mandada retirar por Manuel I de Portugal para ser levada à sua Corte. No entanto, ao ser transportada numa nau, a estátua naufragou junto com a embarcação que a transportava. Dela apenas restam lendas, histórias e registos nas Crónicas de João III de Portugal e de Damião de Góis.

Lenda da Caldeira de Santo Cristo - Açores

 

A Lenda da Caldeira de Santo Cristo é uma tradição da ilha de São Jorge, nos Açores. Relaciona-se às crenças populares numa terra onde a luta do homem com a natureza foi constante e onde, por séculos, as necessidades básicas do dia-a-dia foram prementes.

Há muito tempo atrás, junto à Lagoa da Fajã de Santo Cristo, um homem desceu à Fajã da Caldeira de Santo Cristo, como acontecia nesse tempo quase diariamente e ainda hoje acontece com alguma frequência, para trazer o gado a pastar. Era uma alternância anual entre as altas pastagens das serras e o clima ameno das fajãs.

Para muitas famílias, era nas fajãs que se encontrava o sustento diário: lapas, amêijoas, polvos, moreias, agriões, inhame e outros alimentos que a natureza dava e dá sem que o homem tenha de os cultivar. Para chegar às fajãs era preciso descer longos caminhos estreitos ao longo das altas falésias, autênticas veredas tortuosas e apertadas como os difíceis caminho das montanhas.

Tendo então o pastor deixado o gado a pastar, para ocupar o tempo livre, foi para a margem da lagoa, onde começou a apanhar lapas para o almoço. Junto da lagoa de águas salgadas, mornas e tranquilas encontrou também muitas amêijoas que aproveitou para apanhar.

Sentou-se um pouco a descansar junto da lagoa antes de ir pescar, sentindo as pernas a tremer com o esforço da descida da falésia. Ao passar o olhar pelas águas da lagoa, reparou num objeto a flutuar junto da margem mais afastada junto ao mar, que lhe pareceu ser de madeira trabalhada, esculpida.

Ao investigar, deparou-se com uma imagem do Senhor Santo Cristo. Surpreendido com o achado, pegou na imagem, molhada e inchada de estar na água, e levou-a para terra seca. Ao fim do dia, quando voltou para casa fora da fajã, levou a imagem e colocou-a imagem em local de destaque numa das melhores salas da sua casa. E quando a família se foi deitar, fê-lo satisfeita com a presença do Santo Cristo em casa.

Quando a manhã despontou e a família se levantou para dar início a outro dia de trabalho, o Santo Cristo desaparecera. Depois de procurarem por toda a casa e de já terem dado as buscas por terminadas, ele foi de novo encontrado, dias depois, na mesma fajã e local onde tinha sido encontrado da primeira vez. Foi levado várias vezes para o povoado fora da rocha, e durante a noite a imagem voltava sempre a desaparecer, até que alguém disse: "O Santo Cristo quer estar lá em baixo na fajã à beira da caldeira, pois que assim seja".

O povo decidiu então juntar-se para construir uma igreja. Começaram os preparativos para as obras, com o objetivo de levantar a igreja do outro lado da lagoa. No entanto, quando foram para pegar nas pedras estas não se mexiam, era como estivessem coladas ao chão. "O senhor Santo Cristo quer ficar onde foi encontrado", disse alguém. Alguns meses depois e com muito sacrifício, a igreja estava terminada e a imagem colocada no seu altar. Aquela fajã passou a chamar-se Caldeira do Santo Cristo.

À volta deste estranho acontecimento o povo começou a fazer uma festa em honra do seu santo. Os festejos incluem festas religiosas e festas profanas, canta-se e baila-se. É rezada uma missa e feita uma procissão. Os homens da localidade começaram a entoar uma canção que rapidamente entrou na voz popular.
Conta ainda a lenda que o padre da aldeia que vivia fora da fajã e não se desejava deslocar a ela para rezar a missa, resolveu um dia que havia de levar a imagem novamente para fora da fajã. Tentou pegar na imagem para a tirar do altar e a levar, mas ficou com o pés colados ao chão e sem se conseguir mexer. O padre terá então dito ao sacristão: "Ajuda-me aqui que eu não posso andar". O sacristão bem tentou, mas por fim confessou: "Ó senhor padre, eu também não consigo dar passada!" "Então deixa-se o santinho aqui" disse o padre.

Instantes depois do padre desistir de levar a imagem, os seus pés e pernas ficaram ágeis. Perante isto, o padre e todas as pessoas se convenceram que era ali que santo Cristo tinha de ficar para todo o sempre.